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7 de mai. de 2011

Crítica: "Paraíso Perdido" - Balé da Cidade de São Paulo

Folha de S.Paulo - 7 de maio de 2011

    “Paraíso Perdido” explora desejos animalescos do ser humano
Balé da Cidade de São Paulo tem coreografia do grego Andonis Foniadakis inspirada em obras de Bosch
    O pintor Hieronymus Bosch (1450-1516) empresta suas cores obscuras à dança de “Paraíso Perdido”, o novo espetáculo do Balé da Cidade de São Paulo, que trouxe o grego Andonis Foniadakis para coreografar o grupo de 31 bailarinos. 
    Seres fantásticos, meio homem meio bicho, corpos semi nus, movimentação frenética, gritos e grunhidos. Essa é a imagem capturada das obras de Bosch e regurgitada em cena. Um paraíso infernal repleto de prazeres carnais. 
    Por ironia, o espetáculo do Balé estreou justo em uma semana onde estão em pauta mundial, questões
polêmicas sobre sagrado e profano – a beatificação do papa João Paulo 2º (1920-2005) e o suposto não cumprimento dos rituais islâmicos no fim dado ao corpo do terrorista Osama Bin Laden (1957-2011). 
    Corpos profanados e corpos santificados: especulações à parte. É de sorte que o Balé tenha encontrado momento mais propício para trazer à tona essa questão. 
PECADO ORIGINAL
    O profano em “Paraíso Perdido” aparece na representação dos desejos voluptuosos. Basicamente, circunda a sexualidade exacerbada em suas possíveis pervesões. Através de movimentos sinuosos e ritmo acelerado, entrega as vontades animalescas que habitam o imaginário humano.
    A sinuosidade vira sensualidade ligada fortemente ao universo feminino; ainda temos muito bem introjetada a concepção de que a mulher carrega o pecado em seu seio, lembrando que na mitologia cristã, Eva é quem leva Adão à perdição.
    Em cena, a feminilidade pecaminosa fica escancarada. A figura mítica vestida de preto com os seios à mostra que aparece dando o grito inicial do espetáculo, dançada belamente pela bailarina Fernanda Bueno, já é o indício da aliança entre o pecado original e a forma da fêmea.
    Em clima de trevas, o coletivo perverte. Comparável aos quadros de Bosch, corpos agrupados e pulsantes aparecem sucessivamente. A pervesão aqui é bonita de se ver, e a face bicho do ser humano se afasta do que poderia ser grotesco. 
    O nu vem para seduzir, assim como nos filmes eróticos norte-americanos, se vê o ato sexual mas não se vê os órgãos sexuais, pois são neles que o feio se revela.
    A coreografia de “Paraíso Perdido” por mais profanadora que tente ser, ainda carrega as raízes pudicas do balé clássico, o que não é mal, mas impõe seus limites.

Avaliação: Bom