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19 de mai. de 2011

Crítica: "Objeto Gritante" - Mauricio de Oliveira & Siameses


Folha de SP - 18 de maio de 2011


    “Objeto Gritante” cria poética sobre as máscaras sociais humanas 
    Nova coreografia da companhia Maurício de Oliveira & Siameses traz parceria com trabalho de Duda Paiva
    Em sua 6º edição, o programa Artista da Casa, do Teatro de Dança, apresenta o espetáculo “Objeto Gritante” de Maurício de Oliveira & Siameses, em parceria marcante com Duda Paiva e seus bonecos de espuma.
    É um trabalho que brinca com as concepções rígidas sobre identidade e as inegáveis máscaras compartilhadas no convívio social. 
    Logo na primeira cena; o bailarino Ditto Leite encarna o papel de uma espécie de fêmea animal indistinta. A figura andrógina, sob a luz ainda soturna do início, causa dúvidas.
    “Objeto Gritante” continua sua cena enigmática trazendo à luz corpos desconstruídos e membros
alterados pelos objetos. Em sua maioria, são máscaras de rostos que se retorcem junto aos movimentos dos bailarinos.
    Rostos elásticos com feições contundentes são transformados constantemente. E essa imagem estabelece um paralelo poético com a questão da identidade humana. 
MUDANÇA DE IDENTIDADE
    Em meados do século XVIII, a identidade era concebida como um tipo de essência exclusiva de cada sujeito. Pouco sofria mutações, sendo constante e racional. De lá pra cá, tal conceito sofreu abalos e crises.
    Diferente da concepção anterior, sabe-se hoje que a identidade está na mistura das múltiplas informações que atravessam o sujeito durante todo o seu percurso de vida. Cria-se aqui, um tipo de subjetividade fragmentária, mutável e realizada na relação com o coletivo.
    É no ambiente de máscaras múltiplas e de imprevisibilidade identitária humana que a coreografia de Maurício de Oliveira ecoa seu grito.
    Maurício e Ditto dançam o feio, o velho, a mulher e o bicho. Transitam entre essas figuras, se valem das máscaras e desmascaram-se quando dançam sem nenhum objeto. Dançam com toda a musculatura, inclusive a facial. 
    A única falha aparece no texto falado por Oliveira a certa altura do espetáculo. É um enunciado sobre a relação dança/artista que acaba por perder a força, pois entra em disputa direta com um rinoceronte (literalmente) que toma de assalto o olhar do espectador.
    A ênfase metalinguística que o texto poderia despertar é dissipada. No entanto, a coreografia madura de Oliveira unida aos excelentes bonecos de Paiva metaforizam de modo poético e eficaz a condição transitória da subjetividade humana.

Avaliação: Bom