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Idança - 13 de setembro de 2013 |
As emergências de uma ação curatorial: refletindo a bienal SESC de dança
“Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para quem deles experimenta a contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.”
O trecho acima foi retirado do livro “O que é o contemporâneo e outros ensaios” do filósofo italiano Giorgio Agamben e se encontra no texto de apresentação da oitava edição da Bienal SESC de Dança.
De início, parece clara a preocupação da comissão curatorial – Juliano Azevedo, Liliane Soares, Djaine
Daniat, Nirvana Marinho e Valéria Cano Bravi – em indicar ao público e aos profissionais da dança a
premissa teórica onde a Bienal de 2013 está baseada. O que, por sua vez, informa sobre a aspiração desse grande evento em contribuir com a produção de conhecimento em dança.
Tratando-se de uma curadoria específica para a dança contemporânea, o estímulo na frase de Agamben torna-se instigante quando se traduz em pensar a contemporaneidade buscando reconhecer suas formas de expressão no corpo. Dito isso, ao verificar a programação da bienal, questões insurgem e apontam problemáticas embutidas na tarefa de compor uma seleção de obras que criem sentido para além de uma vitrine de competências.
Há evidências que durante o processo curatorial foram identificadas, em cada obra selecionada, características que as aproximasse, e assim, três aspectos foram suscitados: a autorreferência, a performatividade e o diálogo com as artes visuais. Atenta ao pressuposto de não desgrudar as propostas dos seus contextos, e sim, enfatizá-los, a comissão uniu-as pela coerência entre semelhanças.
Porém, trabalhos como “Big Bang Boom”, de Michelle Moura; “O Confete da Índia”, de André Masseno; “De Repente Fica Tudo Preto de Gente”, de Marcelo Evelin; “Baderna”, do Núcleo Luis Ferron; “Exhibition” de Cláudia Muller; “Nosotres”, de Javiera Peón-Veiga, “Sem Título”, de Clarissa Sachelli, “Solo de rua”, de Luciana Bortoletto, são exemplos de espetáculos e intervenções que contém em justaposição dois ou três dos aspectos acima citados. Logo, não caberia filtrá-los mais por um aspecto do que por outro.
Como um discurso curatorial especializa-se? O recorte realizado sob a ótica do reconhecimento, agrupamento e separação resulta em uma concepção curatorial genérica, pois, em maior ou menor grau, inúmeras outras obras contemporâneas dialogariam com as mesmas premissas.
O similar ocorre quando a diversidade é tomada como conceito principal em um discurso e, consequentemente, se chega a uma máxima simplista e abrangente que pouco potencializa as singularidades dos trabalhos artísticos.
Tal forma de conhecer e se apropriar guarda afinidade com as heranças da ciência moderna, a qual nos ensina sistematicamente observar, anotar diferenças e semelhanças, dissecar, nomear – estratégia obsoleta mediante um contexto cultural de lógica tropicalista e globalizada.
Como uma curadoria produz sentido, projetando no mundo reflexões emergentes? É pensar em afinar as escolhas, sabendo que informações podem ser delineadas em prol do fomento a transformação.
A Bienal SESC de Dança não se autoapresenta com a prerrogativa de um festival aos moldes mainstream. Entretanto, para que a produção de sentido pautada na reflexão que almeja seja efetivada, é necessário o esforço em rediscutir seus argumentos substanciais.
Os modos de feitura autorais de cada artista revelam especificidades sobre a contemporaneidade e os modos de produção vigente. Talvez uma das estratégias coevolutivas a se adotar nesse momento é debruçar-se com afinco no processo de criação das propostas artísticas. E, então, tentar dirigir o olhar não à superfície das criações, mas sim, aos deslizamentos multivetoriais que ocorrem entre elas, habitando o contexto de efemeridades e adaptações da dança com os seus próprios meios de produção.
Parte da programação já aponta alguns horizontes dentro dessa discussão: o Projeto 7×7, de Sheila Ribeiro, publica em um blog – anexado ao site da bienal – textos escritos por artistas sobre os trabalhos assistidos, no intuito de articular desdobramentos críticos e, ainda houve os encontros que envolveram debates sobre curadoria educativa e curadoria enquanto processo criativo.
Mais espaços de enfoque crítico devem ser arraigados para as próximas edições da Bienal SESC de Dança como momentos oportunos para a curadoria mediar diálogos junto a todos os interessados e, melhor, jogar luz nas obscuridades referentes à própria realização curatorial.
Link para o texto no site: idanca.net